Um livro que não pode faltar na sua estante.
Não irei me aprofundar muito nos detalhes para não dar spoiler.
Posso dizer que é um dos livros de leitura obrigatória para quem é de Santa Luzia, e essencial para pessoas de outras regiões próximas e cidades circunvizinhas, e principalmente, porque não dizer, para quem gosta de história de um modo geral.
O livro
O livro A Ribeira do Sabugy e Suas Histórias, 1701-1961, escrito pelo renomado professor e pesquisador José Dantas Neto, oferece um detalhado panorama da história, cultura e das transformações do Vale do Sabugi. Natural do Sítio São José, em São Mamede, Paraíba, José Dantas é um agrônomo, doutor em Agronomia, e cidadão honorário de Santa Luzia. Ele compila nesse livro um vasto acervo documental e oral que resgata a ancestralidade e as sagas vividas nas margens do rio Sabugi, referência crucial para a formação da região.
O Vale do Sabugi e a Ribeira: um território de histórias vivas
O título do livro, A Ribeira do Sabugy, faz alusão às áreas próximas ao rio Sabugi, que foram o berço da ocupação humana e do desenvolvimento socioeconômico das cidades da região. No passado, o nome "Sabugy" era grafado com "y", evidenciando a influência linguística da época. Essas ribeiras foram fundamentais para a colonização do interior da Paraíba, servindo como vias naturais para o desbravamento e como palco de disputas, construções sociais e fenômenos históricos.
O Vale do Sabugi, atualmente composto pelas cidades de Santa Luzia, São Mamede, São José do Sabugi, Várzea e Junco do Seridó, foi originalmente parte de Santa Luzia, que em 1871 foi elevada à categoria de vila e desmembrada de Patos. A data, 24 de novembro de 1871, é considerada a fundação oficial do município, consolidada pela Lei Provincial 410. A instalação ocorreu em 27 de junho de 1872.
Personagens marcantes e eventos históricos
José Dantas Neto conduz o leitor a um passeio pelos momentos mais marcantes da região, com destaque para figuras como:
Liberato Nóbrega e Justino da Salamandra, heróis da resistência local e ligados às sagas cangaceiras.
Antônio Silvino, o célebre cangaceiro que passou por Santa Luzia em 1901 e retornou em 1912, desafiando as autoridades da região.
Jurema, conhecido como "O Cangaceiro das Famílias Medeiros e Nóbrega".
Manoel Benício, notável perseguidor de cangaceiros.
Professor Trindade Verna e a instrução primária na Ribeira do Sabugy.
O Professor Trindade Verna foi uma figura marcante na história da educação na região da Ribeira do Sabugy, especialmente em Santa Luzia, Paraíba. Reconhecido por seu compromisso com a instrução primária, ele desempenhou um papel fundamental na formação das primeiras gerações de estudantes da região, em um período em que o acesso à educação era extremamente limitado no interior do Nordeste.
Trindade Verna não apenas ensinava, mas também buscava promover a valorização da educação como um meio de transformação social. Ele se dedicava à formação básica das crianças, muitas vezes enfrentando os desafios impostos pela escassez de recursos e pela ausência de infraestrutura educacional adequada. Sua atuação foi crucial para o desenvolvimento da educação primária na Ribeira do Sabugy, preparando os jovens para contribuir com o progresso local.
Seu legado permanece vivo na memória da região, simbolizando o valor da educação como pilar essencial para o desenvolvimento humano e comunitário. A atuação do Professor Trindade Verna é lembrada como um marco na história educacional de Santa Luzia e da Ribeira do Sabugy, destacando-se como exemplo de dedicação à causa do ensino em tempos difíceis. Na cidade existe uma escola que, em sua homenagem, tem seu nome, a Escola Tribdade Verna que fica localizada no Bairro Frei Damião.
O Padre Manoel Firmino Pinheiro que crismou Lampião, o mais icônico cangaceiro brasileiro. Posteriormente a esse fato, veio para Santa Luzia onde ficou como pároco de 30 de janeiro de 1938 a 24 de março de 1939.
Padre Ibiapina, o Açude e a Casa da Caridade - José Antônio de Maria Ibiapina, conhecido como Padre Ibiapina (1806-1883), nasceu em Sobral, Ceará. Atuou como advogado, deputado e juiz de direito antes de, aos 47 anos, abandonar a vida civil para se dedicar à vida religiosa. Ordenado padre, decidiu peregrinar pelos sertões do Nordeste brasileiro, onde se destacou pela evangelização, pela realização de obras sociais e pelo incentivo à educação.
Em Santa Luzia, no ano 1862, Padre Ibiapina ampliou o açude já existente na cidade, que foi construído por Geraldo Ferreira Neves Sobrinho no ano de 1740, e cuja ampliação foi feita com a ajuda da população local, passando a ser chamado de "Açude da Caridade".
Depois de um forte inverno ocorrido em 1871, onde as águas transbordaram a ponto de quase destruir o açude, o Capitão Justino Alves da Nóbrega, (Justino da Salamandra), que era do partido conservador na época, reuniu um mutirão e reconstruiram o açude.
Na gestão do prefeito Joaquim Estanislau de Medeiros (Quinca Berto), foi novamente ampliado com uma verba do, na época, senador Epitácio Pessoa.
Em 1930, na administração do Coronel Francisco Antônio da Nóbrega, foi novamente ampliado e passou a se chamar "Açude Padre Ibiapina", hoje popularmente chamado de "açude velho".
Além do açude, existe uma rua, situada no Centro da cidade, que, em sua homenagem, também tem seu nome, Rua Padre Ibiapina.
Secas
Além das narrativas cangaceiras, o livro aborda o impacto da escravidão na Ribeira do Sabugy, os desafios enfrentados pelas populações durante as grandes secas – como as de 1776, 1777 a 1778 (a seca dos três 7); a seca de 1793; a de 1877-1878; a de 1888-1889; a de 1898; a de 1907-1908; a de 1915; de 1918; de 1922; de 1928 e de 1932–, e o papel do Padre Ibiapina na assistência às populações vulneráveis, especialmente do Cor meio da ampliação de um pequeno açude já existente na cidade e da Casa de Caridade de Santa Luzia.
Relato pessoal do autor
No livro de José Dantas Neto, há um relato emocionante contado por sua mãe, Terezinha, sobre a tragédia vivida por sua bisavó Isabel, filha de um pequeno agricultor da Ribeira de Sabugy. Durante a grande seca de 1878, a família foi arrastada pela miséria, enfrentando a fome e as doenças que assolavam o sertão. A esposa do agricultor morreu em consequência das pestes, deixando-o sozinho com duas filhas adolescentes e uma criança. Diante da escassez de alimentos, ele decidiu reunir algumas joias de família e partiu em busca de comida na região do Ceará prometendo retornar em breve.
No entanto, ele nunca voltou. Não se sabe se morreu de fome, se foi vítima de um ataque de assassinos que se aproveitavam do desespero dos flagelados, ou se encontrou algum outro destino trágico. A história de sua partida e o desamparo deixado para trás permanecem como um símbolo da brutalidade e do sofrimento enfrentados por tantas famílias nordestinas durante as grandes secas.
Política e desenvolvimento no Sabugi
A política também tem espaço de destaque. O autor detalha as disputas entre as famílias Nóbrega e Carneiro, o impacto das visitas dos presidentes Washington Luís e Getúlio Vargas, e a presença de Santa Luzia na história paraibana.
Washington Luís foi o primeiro presidente do Brasil a visitar Santa Luzia
O presidente Washington Luís visitou Santa Luzia no dia 07 de agosto de 1926, um dia de sábado. O prefeito da cidade na época era Dr. Silvino Cabral.
Em meio as crises políticas da época, a visita do presidente Washington Luís, não se deu somente a Paraíba, mas sim, a outros estados do Nordeste a exemplo dos vizinhos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte.
De acordo com o autor, José Dantas Neto, aqui em Santa Luzia ele prometeu tranquilidade, prosperidade e confiança para o povo paraibano. Por problemas econômicos e políticas internacionais e nacionais, pouco cumpriu.
Getúlio Vargas em Santa Luzia, Paraíba
O segundo presidente a visitar Santa Luzia.
Getúlio Vargas visitou Santa Luzia, Paraíba, em 1933, para a inauguração de importantes obras para a cidade. Durante essa visita, foram inaugurados o Açude José Américo de Almeida, a agência dos Correios e a escola Coelho Lisboa. Esses investimentos faziam parte das políticas de Vargas para o desenvolvimento do interior do Brasil, especialmente no combate às secas e na melhoria da infraestrutura das pequenas cidades nordestinas.
A construção do Açude José Américo de Almeida foi uma medida crucial para o armazenamento de água e para o abastecimento da população, enfrentando os efeitos da seca no sertão. A instalação da agência dos Correios facilitou a comunicação da cidade com outras regiões, enquanto a inauguração da escola Coelho Lisboa ampliava as oportunidades educacionais para as crianças de Santa Luzia. A visita de Getúlio Vargas reforçou a importância de Santa Luzia no contexto regional e nacional, destacando-se pelo investimento em infraestrutura e serviços essenciais.
Luiz Inácio Lula da Silva foi o terceiro presidente a visitar SantaLuzia
Quais 100 anos depois da visita do presidente Washington Luís, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Santa Luzia no dia 22 de março de 2023.
Santa Luzia é berço de figuras ilustres, como:
José Peregrino de Araújo, único santaluziense eleito governador da Paraíba, nascido em 1840, no então Sítio Bom Sossego, hoje pertencente a Várzea (antiga Vila Sabugirana) e que antes era parte pertencente a Santa Luzia.
João Maurício de Medeiros, prefeito de Santa Luzia e posteriormente da capital do estado, à época chamada de Parahyba.
Memória e resgate cultural
O autor do livro constrói sua narrativa com base em documentos históricos, entrevistas, jornais da época e até vestígios arqueológicos. Essa abordagem reflete seu compromisso em preservar a história do Vale do Sabugi para futuras gerações. Como técnico agrícola, engenheiro agrônomo e acadêmico, José Dantas Neto alia o rigor científico à paixão pela sua terra natal.
O livro também celebra a inauguração de marcos importantes, como o Açude Novo e a Escola Coelho Lisboa, além de destacar a mineração de platina em Santa Luzia, um episódio de relevância econômica.
Legado de uma obra monumental
Ao longo das suas mais de 500 páginas, A Ribeira do Sabugy e Suas Histórias não é apenas um livro de história, mas uma viagem emocional e intelectual por uma terra rica em cultura e tradições. Ele eterniza os valores, crenças e feitos de uma sociedade que soube se adaptar e resistir ao tempo e às adversidades.
A obra é uma leitura indispensável para quem deseja entender o passado, o presente e os possíveis caminhos do Vale do Sabugi, celebrando a riqueza de um povo que construiu sua identidade entre os rios, serras e sertões da Paraíba.
Henrique Melo - Rede Sertão PB
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