Em entrevista concedida ao jornalista Sidney Silva, do Portal Vale Notícias em parceria com Henrique Melo, da Rede Sertão PB, Leonardo Gomes, mais conhecido por Leó, abriu o coração e revelou, em detalhes, o que o levou a fechar as portas de uma empresa que, segundo ele, abastecia cerca de 60% da população local com água tratada a baixo custo, um serviço que classificava como essencial para as famílias de menor renda.
O empresário Leó, proprietário da tradicional empresa Água Azul, localizada no município de Santa Luzia, Paraíba, onde atuava há mais de duas décadas, decidiu encerrar as atividades da companhia no dia 23 de outubro de 2025. A decisão, segundo ele, não foi motivada por dificuldades financeiras, mas por impasses burocráticos e sucessivas fiscalizações ambientais que, em suas palavras, o transformaram em “um bode expiatório”.
Relato de Leó, dono da empresa Água Azul
“Há 25 anos iniciei as atividades da Água Azul. Nosso trabalho nunca foi vender água engarrafada, e sim tratar e distribuir água a granel para a população de baixa renda, oferecendo um produto de qualidade a um custo acessível. Todo o processo de tratamento é automatizado, e contamos com acompanhamento técnico de um químico registrado e com análises mensais.
Sempre procurei atuar dentro da lei. Quando o Ministério da Saúde publicou, em 2021, a Portaria nº 888, regulamentando os sistemas alternativos de abastecimento de água, enquadrei minha empresa nesse modelo. A portaria define que é competência dos municípios autorizar o fornecimento de água para consumo humano em sistemas alternativos, como o meu.
Mesmo assim, de uns anos para cá, venho enfrentando muita burocracia e falta de clareza por parte dos órgãos fiscalizadores, especialmente a SUDEMA e a AGEVISA. Desde que dei entrada na licença da SUDEMA, há cerca de cinco anos, o processo nunca foi concluído. Eles me pedem documentos, eu envio, e depois de meses solicitam outros, às vezes os mesmos. Cumpro todos os prazos, mas eles não têm prazo para responder.
Enquanto isso, a Polícia Ambiental passou a me multar. Já paguei multas, já negociei processos e cheguei a doar cestas básicas como parte de um acordo judicial. Mesmo assim, as fiscalizações continuaram. Chegou um momento em que percebi que eu estava sendo tratado como se fosse um envasador de água, o que não é verdade. Eu trabalho com água a granel, não com envazamento, rotulagem ou industrialização.
Por não conseguir resolver a questão da licença, acabei acumulando um Termo de Ajustamento de Conduta, com multa diária de mil reais, e uma nova audiência marcada para discutir isso. Cheguei a contratar uma consultoria para tentar regularizar, mas eles acabaram fazendo o mesmo que eu já vinha fazendo sozinho.
Diante de tudo isso, decidi encerrar as atividades da Água Azul no dia 23 de outubro de 2025. Fiz isso para evitar novas multas e problemas judiciais, já que, sem a licença, a empresa ficaria vulnerável. Foi uma decisão difícil, porque eu atendia cerca de 60% da população local e mantinha dois funcionários fixos. Trabalhávamos de segunda a sábado, das cinco da manhã até o fim da tarde.
Perdi clientes importantes, inclusive as empresas eólicas que compravam água de nossa empresa para as subestações. Com o fechamento, perdi a principal fonte de renda que mantinha a viabilidade da empresa.
A verdade é que a Água Azul não teve culpa de nada. Fiz tudo dentro da legalidade, com transparência e responsabilidade. Sinto que fomos transformados em bode expiatório. Acredito, sim, que há interesses por trás de tudo isso, embora não tenha provas. Foram muitas fiscalizações concentradas apenas na minha empresa.
O que mais lamento é que nenhum órgão se preocupou em avaliar a qualidade da água, que é o ponto mais importante. Em vez de orientação e diálogo, vieram apenas punições. Por isso, fecho as portas da Água Azul com consciência tranquila e com a esperança de que a população compreenda que eu não podia continuar enfrentando um sistema tão injusto”.
Um serviço interrompido, uma história que fica
Com o fechamento da Água Azul, o município perde uma das poucas fontes de água tratada e acessível à população, em uma região historicamente marcada pela escassez. O relato de Léo evidencia a dura realidade enfrentada por pequenos empreendedores do interior, que, apesar de atuarem com responsabilidade e compromisso social, acabam sufocados pela burocracia e pela falta de diálogo entre os órgãos públicos e quem realmente trabalha. Esse mesmo relato também traz à tona uma discussão mais ampla, essa mesma falta de orientação e dialogo especialmente em uma região onde a água ainda é um bem de sobrevivência.
O fechamento aconteceu justamente em um momento particularmente difícil, quando a cidade enfrentava falta de água e o sistema da adutora Coremas/Sabugi estava há cerca de uma semana ou mais parado por causa de manutenção e falhas no sistema.
A trajetória da Água Azul deixa uma marca na
memória de Santa Luzia - não apenas pela importância do serviço prestado, mas
pela história de um homem que lutou para manter de pé um projeto feito com
honestidade, até o último dia de funcionamento.
Por essas razões, Léo afirmou que
a empresa está, de fato, encerrada e que não pretende reabrir.
Entrevista concedida a Sidney Silva (Portal Vale Notícias)
Matéria produzida por Henrique Melo (Rede Sertão PB) com Sidney Silva








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