Tenho observado toda essa comoção em torno do pastor mirim Miguel, hoje com 15 anos. Ele ganhou visibilidade nas redes sociais pregando, prometendo curas, pedindo ofertas e, como era de se esperar, virou o alvo de duras críticas. Dizem que é absurdo, que é exploração, que é charlatanismo. E olha, não estou aqui para defendê-lo. Ele está errado, sim. Mas eu não posso ignorar o fato de que esse adolescente é reflexo direto do ambiente em que foi criado.
Ele cresceu nesse meio. Viu pastores adultos fazerem o mesmo que ele faz hoje, e muito pior. Aprendeu com eles. Foi incentivado pela própria estrutura da igreja, pelos líderes, talvez até pela família, que sabe que, se ele “vencer” nesse meio, todos vencem junto. E o que mais me impressiona é o silêncio das mesmas pessoas que hoje estão apedrejando o garoto.
Essas pessoas não criticam os pastores adultos que fazem o mesmo há décadas. Não criticam os líderes de grandes igrejas evangélicas que vendem “milagres” por campanhas, transferências bancárias e maquininha de cartão no altar. Também não criticam a ala carismática da Igreja Católica, que promove missas de cura com as mesmas promessas de milagres. Ali ninguém toca, ninguém ousa levantar a voz. Mas quando o protagonista é um adolescente pobre, que vem de baixo, que só está reproduzindo o que viu, aí sim todo mundo vira fiscal da fé alheia.
E vamos mais fundo: Miguel não é só fruto da igreja — ele é fruto dos bastidores da igreja. Porque o que os fiéis veem na frente do altar é uma coisa, mas o que acontece por trás, nos bastidores, é outra completamente diferente. Talvez ele tenha visto as encenações acontecendo. Talvez tenha testemunhado orações ensaiadas, supostas possessões combinadas, efeitos teatrais em nome da fé. E como uma criança que cresce nesse meio, ele aprendeu. E está apenas repetindo.
Se hoje ele faz “encenações”, é porque alguém o ensinou. Alguém o incentivou. Ele não inventou isso do nada. Está apenas devolvendo ao mundo o que o mundo deu a ele. Se você quer culpar alguém, culpe os adultos. Culpe os pastores que o usaram. Culpe os fiéis que o aplaudiram. Culpe o sistema que permitiu e promoveu esse tipo de prática. Mas não finja que ele é o único culpado.
A hipocrisia é gigante. Porque quando um adulto espalha desinformação médica em vídeos, como aquele influenciador que dizia que o diabetes é causado por vermes e que era só tomar remédio de verme para se curar, ninguém faz escândalo. Pior: duas doutoras, com formação séria, foram processadas por desmenti-lo — e ainda perderam na Justiça antes de conseguir reverter. Onde estava a fúria pública nesse momento? Onde estavam os influenciadores indignados? Sumiram.
E curiosamente, toda essa gritaria contra Miguel surge justamente quando temas políticos importantes estão prestes a explodir. Como a proposta de anistia que ameaça a democracia. Mas aí, do nada, o foco vira um menino pregando. Parece ou não uma bela cortina de fumaça?
Repito: ele está errado. Mas não é só ele. Miguel é só o espelho. Se ele é uma farsa, é uma farsa moldada por adultos farsantes. Ele cresceu vendo, ouvindo e aprendendo. Se hoje repete o que viu, talvez esteja só mostrando, com toda a crueza, aquilo que muita gente se esforça para esconder.
O caso que mencionei, na matéria acima, sobre um influenciador que disse que o diabetes era causado por vermes:
Em 2023, as cientistas Ana Bonassa, doutora pela USP, e a farmacêutica Laura Marise, responsáveis pelo canal de divulgação científica "Nunca Vi 1 Cientista", publicaram um vídeo desmentindo informações falsas divulgadas pelo nutricionista André Luiz Lanca, conhecido como "Dr. Lanza". Ele afirmava que a diabetes era causada por vermes e promovia um "protocolo de desparasitação" como tratamento.
No vídeo, as cientistas utilizaram imagens públicas do perfil de Lanca no Instagram para ilustrar a desinformação e alertar sobre os riscos de abandonar tratamentos médicos comprovados. Em resposta, Lanca processou as cientistas por danos morais, alegando uso indevido de sua imagem. Em setembro de 2024, a juíza Larissa Boni Valieris, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível de São Paulo, condenou as cientistas ao pagamento de R$ 1.000 por danos morais e determinou a remoção do vídeo, sob pena de multa diária de R$ 100.
As cientistas recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a decisão violava a liberdade de expressão e o direito à divulgação científica. Em setembro de 2024, o ministro Dias Toffoli concedeu liminar suspendendo a condenação, destacando que o vídeo representava uma manifestação crítica fundamentada em dados científicos e que a decisão anterior poderia configurar censura.
Esse caso gerou ampla repercussão e levantou debates sobre os limites da liberdade de expressão, o combate à desinformação e a importância da divulgação científica responsável.
Henrique Melo - Rede Sertão PB
0 Comentários