No passado, o jornalismo se firmava em pilares de credibilidade, técnica e compromisso com o leitor. A técnica do “lide”, ou "líder" como também é conhecida, era um dos fundamentos do jornalismo tradicional. Para quem não está familiarizado, o “lide” consiste nos primeiros parágrafos de uma notícia, que trazem as informações mais importantes: o “quê”, “quem”, “quando”, “onde”, “como” e “por quê” do fato. Assim, o leitor sabia que, ao começar a leitura, teria um resumo claro e objetivo da notícia. Esse método, dentro do formato de "pirâmide invertida", organizava o conteúdo da matéria de forma que os detalhes menos essenciais ficassem para o final, o que facilitava cortes durante a diagramação de jornais impressos. Dessa forma, quando o espaço se tornava limitado, a matéria podia ser ajustada de baixo para cima, sem prejuízo à compreensão.
Hoje, com o advento do jornalismo digital e o espaço ilimitado nas páginas virtuais, não há mais a necessidade de fazer esses cortes. Em tese, o jornalista pode se alongar, oferecer contexto e ir a fundo na apuração. É possível publicar um texto que atenda a diferentes tipos de leitores: desde aqueles que se contentam com o título e o subtítulo até os que querem um mergulho completo nas minúcias da notícia. Além disso, recursos audiovisuais, como vídeos, gráficos e áudios, estão à disposição para tornar a informação ainda mais rica e acessível.
Entretanto, o que vemos na prática parece seguir na direção oposta. As manchetes sensacionalistas se tornaram regra. Nos títulos, impera um alarmismo que nem sempre condiz com a gravidade do conteúdo. É cada vez mais comum ver “grave acidente” em letras garrafais para um incidente que, na verdade, não passou de um susto sem feridos, ou que sequer envolveu algo grave. Em muitos casos, o leitor se sente enganado ao perceber que a matéria não condiz com o “chapéu” que a anunciava, uma prática que lembra mais o pregão de um vendedor de feira do que o rigor de uma redação.
Esse fenômeno não se limita ao jornalismo em sites e portais, mas transborda para o YouTube e outras plataformas. Muitos produtores de conteúdo, ao publicarem vídeos de notícias, adotam títulos exagerados ou até enganadores na busca de cliques. O objetivo é captar a atenção, mesmo que às custas da credibilidade.
A superficialidade e o sensacionalismo revelam uma falha estrutural no jornalismo contemporâneo: a pressa em publicar e o foco exagerado em audiência. Com a facilidade de abrir um site e “virar” jornalista sem a necessidade de um diploma, muitas redações estão repletas de redatores que, embora bem-intencionados, carecem do rigor investigativo e do compromisso com a apuração que eram marcas da profissão. A qualidade do conteúdo fica em segundo plano diante da urgência de “vender” a matéria, uma visão que transforma leitores em meros consumidores de títulos chamativos.
Ao tomarmos como exemplo outras indústrias, percebemos um paralelo interessante: produtos de qualidade questionável e vida útil reduzida – o que chamamos de obsolescência programada. Aparentemente, o jornalismo digital sofre de um tipo de obsolescência programada de conteúdo. A superficialidade leva a notícias que se tornam obsoletas rapidamente, substituídas por novas manchetes que apelam mais para o impacto do que para a informação.
A questão que se impõe é: como retomar um jornalismo comprometido, confiável e aprofundado em uma era de sobrecarga de informações? Como voltar a fazer jornalismo com técnica, ética e responsabilidade, sem cair na tentação do sensacionalismo barato? A resposta talvez esteja no resgate dos fundamentos da profissão e no fortalecimento de um pacto com o leitor, que, em meio a esse turbilhão de notícias de qualidade duvidosa, ainda anseia por informação verdadeira e confiável.
Henrique Melo - Rede Sertão PB
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